terça-feira, 27 de outubro de 2015

Eu matei o amor


Nunca tivemos muitas coisas em comum. Enquanto eu preferia ler, ele insistia em perder tempo no Xbox. Sempre fui o tipo de pessoa que planejava tudo, já ele nunca esteve nem aí pra nada e se eu o cobrasse um pouco de compromisso, acabávamos brigando. Éramos assim, completamente diferentes, completamente opostos. Mas ainda sim estávamos juntos, ainda sim nos amávamos. Ele sempre me zombava por ser tão preocupada, dizia que em meio a tantas preocupações e planos eu acabaria me perdendo. E não é que ele tinha razão? Eu me perdi. Me perdi em meio a minha organização. Tornei-me uma bagunça. Perdi o rumo. Perdi o foco. Perdi tudo. Perdi ele.
Botei um fim na nossa história. Era um sábado ensolarado, como sempre estávamos discutindo. Já havia decidido, iria por um fim naquilo. Como sempre, segui meus planos. Não tinha mais porque continuar delongando aquilo, iriamos só nos machucar mais e mais. Acabar era o mais sensato a se fazer. Afinal eu não cederia naquela discussão e sabia que ele também não. Dois arianos, dois bicudos, dois orgulhosos. Que final poderia ter, senão aquele? Respirei fundo e disse que ele poderia fazer o que bem entendesse, que não me devia mais satisfações. Ele entendeu o que eu quis dizer. Ele sabia que estava chegando ao fim, mas fingiu não entender, tentou não aceitar a minha decisão. E mais uma vez eu disse, ele não me devia mais satisfações, estava livre para curtir e ficar de papinho com quem quisesse. Mais uma vez ele me deu a chance de voltar atrás na minha decisão, perguntou o que eu queria dizer com aquilo. Respirei fundo, me segurei para não fazer o que ele queria, para não voltar atrás na minha decisão. Foi então que eu disse “acabou”. Ele se calou e me deixou. E então o mundo todo desmoronou. Eu que até algumas horas antes estava certa que isso seria o melhor, agora estava em prantos. Não tinha sido o melhor. Uma onda de sentimentos me invadiu e tudo que eu soube fazer o restante daquele dia foi chorar. Chorei por ele. Chorei pelo meu relacionamento acabado. Chorei pela fome da África. Chorei pelo meu bisavô falecido. Chorei pelas crianças de rua. Chorei por tudo.
Durante semanas meu humor ficou afetado. Sorrir tinha se tornado uma tarefa difícil. Assim como ser simpática com os outros. Fui me afastando. Afastei pessoas de mim. Me fechei em meu próprio mundo e lá fiquei. Lá fiquei suplicando para que ele voltasse e me salvasse. Me salvasse de mim mesma e do poço onde havia me jogado. Mas nada aconteceu. Ele não voltou. Meus amigos alguns acabaram desistindo, outros se cansaram e uns poucos permaneceram me esperando. O mundo todo havia desabado e já não tinha muito a ser feito. Eu não tinha forças para reconstruir tudo. Não tinha nem ao menos vontade. Foi aí que decidi jogar tudo para os ares. Que decidi que estava na hora de matar alguns sentimentos e jogar fora algumas lembranças. O amor. Ah, ele foi o primeiro que matei. Um tiro certeiro e papum… Fiquei mais leve.
Depois de matar o amor, o resto foi mais fácil. Coloquei todas as minhas lembranças e memórias dentro de um baú, tranquei e joguei tudo em alto-mar. Eu seria feliz. Não teria lembranças nem fantasmas passados para me perturbarem. Eu seria feliz, claro que seria. Jamais me apaixonaria por alguém novamente. Não haveria mais amor. Tudo que haveria era uma vida calma e tranquila, sem lugar para paixões, sem tempo para aventuras amorosas. Eu poderia voltar a fazer planos e seguir eles. Nunca mais ficaria perdida na bagunça. Nunca mais perderia meu rumo. Eu havia matado o amor e junto com ele matei também minhas fraquezas. Eu estava livre. Pela primeira vez em muito tempo, nada mais me prendia a lugar algum. Eu estava livre para ir e vir. Estava livre para conhecer quantos caras eu quisesse, para sair com quem eu quisesse e jamais teria que carregar o fardo de estar apaixonada. Finalmente livre. Teria sensação melhor?

Um comentário:

  1. Adorei o conteúdo do blog, um dos meus temas preferidos quando busco conhecer blogs novos. Sucesso.

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