quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Allie e Elliot: O fim



Eram exatamente 3 horas da manhã, meu sono insistia em se esconder de mim. Ficar acordada mais me parecia uma tortura, já que significava mais tempo para pensar, mais tempo para lembrar, mais tempo para me lamentar. Peguei meu antigo diário e comecei a folhear, parei assim que achei a página que procurava. Lá estava escrito com caneta roxa e letras maiúsculas destacadas: O MELHOR DIA DA MINHA VIDA, 20 DE ABRIL DE 2010. Sem pensar duas vezes arranquei aquela folha e a rasguei em diversos pedaços até que sobrasse apenas migalhas. O melhor dia da minha vida? Quando escrevi aquilo certamente estava extasiada de euforia e felicidade. Aquele dia havia sim tido seus bons momentos, mas estava longe de ser o melhor dia da minha vida. Afinal aquele 20 de abril me resultou várias noites em claro, várias lágrimas e um desgasto emocional enorme. Folheei meu velho diário novamente até achar uma folha em branco, peguei uma caneta, respirei fundo e comecei a escrever. No começo as palavras saíram trêmulas e confusas, um perfeito espelho sobre minha aparência no momento. Não demorou muito para que eu arrancasse a folha que havia acabado de escrever e a partisse ao meio. Botar tudo no papel não parecia ser a solução, escrever não estava ajudando, a dor continuava ali, continuava pesando.
Me levantei da cama, peguei um cigarro em cima da cômoda, acendi e fui para a janela. A lua estava lá, tão grande, tão luminosa. A encarei e parecia que estava sendo encarada de volta. Soltei um suspiro e traguei meu cigarro. Aquela era a quarta noite seguida que eu passava em claro. Logo o sol iria nascer e lá estava eu, acordada encarando a lua em busca de quê meus pensamentos se silenciassem e eu pudesse ao menos tirar um cochilo. A cada tragada, era possível sentir meus pulmões encherem-se mais e mais de fumaça. Não pude conter o riso irônico ao ouvir aquela voz rouca e grossa na minha mente sussurrando “Você deveria parar de fumar, Allie. Um dia, seus pulmões não aguentarão.”. Ah, se ele soubesse o quão fortes meus pulmões eram, ao contrário do meu coração, que deixou-se despedaçar. A brisa noturna me batia no rosto, enquanto eu fechava os olhos e me deliciava e respirava aquele ar fresco misturado ao cheiro do cigarro. Por um momento tudo pareceu calmo. Por um breve segundo, tudo havia se ajeitado. Então abri os olhos esperançosa e ao ver aquele quarto enorme de paredes brancas, senti como se estivesse em um lugar estranho. Apesar de já estar morando naquele apartamento há quase 4 anos, tudo ali me parecia estranho. Era como se já não fosse mais o meu lar.
Terminei meu cigarro, soltei um suspiro demorado e voltei para a cama. Quatro noites. Aquilo já tinha passado dos limites. Eu precisava dormir. Fechei os olhos e comecei a rolar na cama. Quanto mais eu tentava dormir, mais meus pensamentos me atormentavam. Não era justo aquilo. Eu precisava dar um basta. Peguei o celular de baixo do travesseiro e encarei o visor por alguns segundos, até que finalmente tomei coragem e liguei. Depois de exatamente cinco toques, ouvi aquela voz que me fazia arrepiar toda vez que a ouvia.
– Alô? Espero que seja algo importante.
Várias respostas me vieram a mente, mas tudo que consegui soltar foi um suspiro longo seguido de um “Oi” sussurrado. Pude ouvir o quanto sua respiração ficou tensa quando ele se deu conta de que era eu do outro lado da linha.
– Allie? Aconteceu alguma coisa?
Mais uma vez, pensei em várias possíveis respostas, mas nada me parecia bom o bastante. Claro que havia acontecido, ele não estava lá. E aquela já era a quarta noite em que eu passava em claro, tudo por culpa dele. Ele era o culpado por eu estar naquele estado e o mínimo que poderia fazer era conversar comigo e me ajudar a encontrar uma solução para aquela insônia.
– Allie?
– Não, não aconteceu nada… Está tudo bem.
Peguei outro cigarro na cômoda e acendi, dei uma longa tragada e segurei a fumaça e fiquei presa aos meus pensamentos. Havia tanto a ser dito, tanto a ser esclarecido. Mas como sempre, me faltava coragem. Talvez escrever uma carta e enviar a ele fosse mais fácil, eu certamente saberia como escrever, já que as palavras sempre são um problema para mim quando precisavam ser ditas, enquanto escritas tornam-se minhas melhores amigas. Me engasguei com a fumaça do cigarro e tossi.
– Fumando de novo, Allie? Você sabe, seus pulmões não são de aço. Um dia, eles não aguentarão.
Dei de ombros e revirei os olhos. Ora, quem era ele para se preocupar comigo? Ele, o cara que havia estraçalhado meu coração sem dó nem piedade. Qual moral ele queria ter em julgar como cuido de meus pulmões? Respirei fundo e tentei organizar as palavras na minha cabeça. Eu precisava e queria falar com ele. Mas por onde e como começar? Contei até três e decidi tomar coragem.
– Não consigo dormir. Já é a quarta noite em que passo acordada.
– Insônia, querida? Você deveria ir ao médico, pedir que lhe passem algum tipo de calmante.
– Não. Na verdade, eu preciso falar com você.
– Comigo?
Pude sentir o tom de espanto, curiosidade e horror em sua voz. Um silêncio se fez na linha, pude ouvir sua respiração irregular do outro lado enquanto tragava o cigarro mais um pouco. Certamente ele estava tentando decidir se deveria me ouvir ou desligar o celular e voltar a dormir.
– Você deveria parar de fumar…
– Eu sei…
– Você acha que não consegue, não é?
– Eu não consigo.
– Se lembra da nossa viagem para o interior? Você achou que não conseguiria escalar aquela montanha e conseguiu.
Não pude conter um riso baixo ao lembrar daquele momento. Elliot era acostumado a escalar e eu sempre o observava do chão, mas naquele dia ele resolveu que escalaríamos juntos. Eu disse que não conseguiria, ele teimoso como sempre, insistiu até que eu aceitasse. Então fomos. E eu acabei conseguindo. A sensação de estar lá em cima foi tão boa, só não foi melhor do que vê-lo me olhando orgulhoso.
– Você consegue, Allie.
– Não, não consigo.
Se ele estivesse por perto talvez conseguisse, mas sem ele do meu lado era impossível. Eu não tinha forças para nada, quanto mais para lutar contra meu velho vício de fumar. Alguém o chamou do outro lado da linha, uma voz feminina, pude reconhecer. Provavelmente a nova namorada. Mordi meu lábio inferior e me segurei para não desabar. Ele havia seguido em frente. Ele tinha conseguido.
– Desculpe, A. Preciso desligar. Me ligue durante o dia, certo?
– Certo.
Fiquei ouvindo a linha muda do telefone por alguns minutos, enquanto as lágrimas rolavam pelo meu rosto. Terminei meu cigarro e fiquei encarando o teto do quarto. Acho que estava errada. Não havia nada mais a ser dito. A única coisa que havia era o meu coração partido e aquilo não era mais problema dele. Era meu problema. Eu aprenderia a superar aquilo e seguiria em frente. Estava decidido.

Aquela foi a última noite em que passei em claro por causa de Elliot. Depois daquela madrugada resolvi que nasceria uma nova Allie. Dali pra frente tudo mudaria. Mudei de apartamento, de emprego, de cidade. Parei de fumar e voltei a escrever. Enterrei meu passado e junto com ele a antiga Allie.

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