Apesar
de estar com um péssimo humor, tentei ser simpática e dei um dos
meus melhores sorrisos. O cara que havia me ajudado, retribuiu meu
sorriso. Quando ele sorriu, não pude deixar de notar o quão
perfeitos e brancos eram seus dentes. Provavelmente ele usou aparelho
durante toda a adolescência ou sua boca era a 8ª maravilha do
mundo.
—
A moça se machucou?
Apenas
neguei com a cabeça. Pela primeira vez na vida, olhando para aquele
completo desconhecido, me aconteceu algo inédito: esqueci de tudo.
Por alguns segundos foi como se eu não tivesse que ir trabalhar,
como se as outras pessoas em volta não existe, como se a única
coisa que importasse estivesse ali, bem na minha frente. Me achei uma
completa idiota por me sentir assim. Até mesmo porque eu não o
conhecia e provavelmente sua primeira impressão sobre mim deve ter
sido “Essa garota é uma louca, olha como ela está me secando!”.
E realmente, meses depois fui descobrir que não estava tão errada
quanto á isso, a primeira impressão dele sobre mim foi algo
parecido.
—
É, acho que preciso ir para o trabalho.
—
Tem certeza que não se machucou? Se quiser posso a levar ao
hospital…
—
Não, sim… Quer dizer, não me machuquei, tenho certeza. Foi só um
tombo de nada.
Dei
um sorriso torto e acenei para ele. Então fui tentar andar e senti
uma dor insuportável na perna esquerda, que faz com que eu soltasse
um gemido. Olhei para o tal estranho e ele me fitava com diversão
nos olhos. Ah, que olhos! Um par de olhos castanhos grandes, um olhar
com um brilho diferente, juro que se não fosse tão constrangedor eu
teria ficado encarando aqueles olhos por horas e horas sem me cansar.
—
Acho que você não tem tanta certeza assim, não é? Vem cá, vou te
levar ao hospital.
Sem
nem ao menos esperar que eu respondesse, ele estendeu o braço
direito na minha direção e laçou minha cintura fazendo com que as
laterais de nossos corpos se encostassem. Mesmo com algumas camadas
de roupas entre a gente, me arrepiei ao senti-lo tão próximo de
mim. Envolvi meu braço esquerdo em seu pescoço e apoiei o peso do
meu corpo sobre ele. Dali fomos nós dois em direção ao hospital da
cidade. Durante os 10 minutos em que levamos para finalmente chegar
ao hospital, nenhum de nós ousou falar qualquer coisa. Mas o
silêncio que reinou entre a gente, foi diferente, não havia nada de
constrangedor, pelo contrário, foi uma sensação boa ficar com ele
em silêncio. Foi como se estivéssemos conversando de um jeito
diferente. Vezes ou outra ele me olhava e eu sorria, então ele
sorria de volta. Assim que chegamos ao hospital, meu estranho gato de
olhos castanhos me ajudou a sentar em uma das cadeiras azuis de
plásticos e foi até o balcão pegar uma ficha para que eu
preenchesse.
—
Quer que eu preencha?
—
Não, tudo bem. Acho que consigo escrever.
Ambos
demos uma risada baixa e ele piscou pra mim. Peguei o prontuário e a
caneta de suas mãos e comecei a preencher minhas informações, não
demorou muito e devolvi a ele para que entregasse a recepcionista.
—
Allie Green? Americana?
—
Minha família sim, eu não. Sou brasileira.
—
Sou Elliot. E também sou brasileiro.
—
Prazer, Elliot. E ah, mais uma vez obrigada.
Ficamos
conversando até que uma enfermeira chamando pelo meu nome nos
interrompeu. Elliot me contou que tinha 23 anos, que morou durante 10
anos na Europa e que havia cursado direito. Contei a ele sobre meu
trabalho no jornal do estado e sobre minha paixão por livros. Não
parecíamos ter muitas coisas em comum. Ele apesar de jovem, já
havia viajado bastante. Enquanto eu, se muito sai de Minas umas 4 ou
5 vezes em toda a minha vida, quem diria do Brasil. O médico que me
atendeu, concluiu que eu havia torcido o pé, portanto teria que
ficar alguns dias de repouso sem andar. Sai do consultório mancando
e com o pé imobilizado, e lá estava Elliot ainda sentado em uma das
cadeiras me esperando.
—
Você devia ter ido embora, não precisa me esperar.
—
Mas eu quis esperar, caso você fosse precisar de mim.
Pedi
um táxi e Elliot fez questão de me acompanhar até meu apartamento.
Depois de se certificar que eu estava bem acomodada, ele se despediu,
mas deixou seu número anotado na minha agenda telefônica e anotou
meu número em seu celular. Nos despedimos, mais uma vez o agradeci
por tudo e ele foi embora com a promessa de ligar mais tarde para
saber como eu estava.
Algumas
horas depois de Elliot ter ido embora, enquanto eu ainda estava
deitada no sofá da sala relembrando sobre como meu dia havia
começado, meu telefone tocou e era ele. Já era quase noite quando
ele me ligou. Conversamos até tarde e dessa vez fui eu quem despedi
com a promessa de ligar no outro dia. Aquela foi a primeira de muitas
noites em que Elliot me fez ir dormir sorrindo, assim como aquele foi
o primeiro de muitos dias em que Elliot fez com que tudo ficasse bem,
por mais difícil que fosse.
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